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... tirei um tempo para me dedicar a outras coisas.
escrevi pecas. atuei. explorei o grafite (vejam o blog).
em 2011 estarei de volta...

* atualizacao - por enquanto, comecei a publicar algumas coisas nesse blog http://letrasdesolidao.blogspot.com/, em parceria com uma amiga. *



01/janeiro/2010

As sextas-feiras tendem a ser boas:

- Alô!
- Oi, sou eu. Saí agora. Você está onde?
- No meu apê, esperando você.
- Já estou indo bonitão. Desculpe a demora, você sabe...
- .. reunião! Sei sim.
- Bom, chego em quinze.
- Estarei aqui... vou deixar a porta destrancada. Já avisei ao porteiro.
- Tá bom. Mas por...? Ah... entendi. Até já.
- Beijo.
- Outro.

Ela desligou o celular e aumentou o som do rádio. Tocava uma música antiga do Eric Clapton - daquelas nostálgicas - que embalava o carro pelas ruas congestionadas do pior horário do dia. Mesmo assim, ela sorria; e sentia-se protagonista de um filme romântico: seu emprego era ótimo, tinha vários amigos (fiéis, o que era raro nesses dias), e seu namorado era divertido, carinhoso e extremamente atencioso – não era daqueles bonitões do estilo Brad Pitt (até aí, ela também se assemelhava em nada a uma Cláudia Schiffer), mas eles se completavam e tudo estava ótimo: teria um final feliz, o filme!

Destrancada, como ele havia prometido. As luzes estavam apagadas, mas entrava claridade suficiente pela janela da sala e ela podia se guiar até o quarto. No fundo, não gostava muito de surpresas, mas tentava se convencer de que se preocupava demais. Passava pela sala e, a meio caminho do quarto, tropeçou em um sapato. Apertou um pouco os olhos para se concentrar nas formas pouco iluminadas no chão e conseguiu identificar, ao lado do sapato, uma meia e uma calça jeans. Logo a frente, outra peça de roupa. E outra. E mais uma - todas jogadas no chão, em cadeia até o quarto. Ela sorriu de sua própria ingenuidade, e foi seguindo a trilha deixada pelo namorado. Passou pela camiseta, uma jaqueta, outra meia, cueca... sutien!?

Nesse momento, chegava à porta – entreaberta – e, um pouco confusa, escondeu de volta o sorriso enquanto entrava.

Assustou-se com o que viu! Outra mulher, deitada na cama, saltou assustada e cobriu, com o lençol, seu corpo nu.

- Que diabos é isso?
- Que diabos digo eu. Como entrou aqui?
- Eu que pergunto isso! Que droga você faz aqui?
- Eu moro aqui.
- Como é? Mas você é muito abusada.
- Abusada é você, que entra assim na casa dos outros. Posso saber quem é você?
- Eu sou a namorada do Heitor, queridinha.
- Namorada. Que papo é esse? Heitor, venha já aqui! (ela grita). Pois eu sou a esposa do Heitor, “queridinha”.
- Você só pode estar de sacanagem. Se essa era a surpresa que ele tinha pra mim, já vou avisando que não estou gostando nada. “Vou deixar a porta destrancada”. Eu namoro o Heitor há dois anos, fofa, e saberia se ele fosse casado.
- Dois anos? Heitor!!! (grita mais alto) Saia já dessa porra de banho e venha aqui! E depois eu quem sou a abusada? Você anda saindo com o meu marido há dois anos, tem a cara de pau de vir encontrar com ele na nossa casa, e ainda eu quem sou a abusada? Eu quem sou a abusada?
- Casa de vocês?? Heitor!! (grita dessa vez) Eu costumo vir dormir aqui, com o “meu” namorado Heitor, pelo menos, umas três vezes por semana. Ele mora sozinho; e sempre morou. Então, não tente me enrolar.
- Três vezes por semana? Sua putinha...
- Olhe aqui, queridinha, melhor você controlar o nível. Se existe alguma putinha aqui, ela está deitada na cama do meu namorado.

A porta do banheiro da suíte se abre, e Heitor entra no quarto, molhado, e sem toalha alguma enrolada.

- Espero que você tenha visto um rato. Posso saber o motivo da urgên... caraca! Que merda?
- Quem é você?
- Heitor. Quem é “você”?
- Você não é o Heitor. E eu não estou gostando dessa brincadeira. Na verdade, desde o começo. Heitor!! (grita) Não tem graça! (grita mais).
- Moça, não sei qual é o seu problema. Meu nome é Heitor e eu moro aqui.
- Nós moramos aqui! Essa sirigaita disse que namora você há um tempão. E que você come ela, pelo menos, umas três vezes por semana! Safado dos infernos.
- Sirigaita. Olhe aqui...
- Como é? Eu nem conheço essa moça. Nunca a vi na minha... quer dizer, já vi sim!
- Ah há! Então ela tinha razão. Filho da puta. Eu vou me trocar e vou ficar na minha mãe. Depois volto aqui e pego as minhas coisas.
- Deixa disso, mulher! Eu quis dizer que já a vi por aqui, no prédio! Você não namora o rapaz do 84?
- Sim, o Heitor. Que mora nesse apartamento, o 84. Exatamente.
- Heitor também? Bom, eu não o conheço o seu namorado pessoalmente, mas meu nome é Heitor - disso eu não tenho dúvidas. Só que esse é o 64. Não o 84.
- ...

Oito minutos depois.

- Alô!
- Oi, sou eu.
- Gatinha, eu já estou quase dormindo.
- Já estou subindo. Estou aqui no seu vizinho, no 64. Vou tomar um cafezinho e já subo.
- Como é? Que porra você está fazendo no apartamento do meu vizinho? E tomando cafezinho... você só pode estar tirando uma com a minha cara. Eu cheguei aqui já faz 2 horas e estou te esperando desde...
- Já subo. Conversamos depois. Acredite, é complicado...
- Vou dormir. Até. Saudações ao vizinho do 64...
- .. Heitor.
- Que é?
- O nome dele também é Heitor.
- Como? E eu com isso?
- Haha.. já subo. Beijo.
- ...

15/junho/2007

- Vocês ficaram rindo às minhas custas, hein?
- Foi mal. Mas, convenhamos, a situação até que foi bastante engraçada.
- Talvez você tenha razão.
- É. Talvez.
- Me descola um cartão seu.
- Eu tenho noivo.
- Eu tenho diabetes.
- Como?
- Achei que estivéssemos compartilhando nossos problemas.
- Meu noivo não é um problema.
- Olhe, só estou pedindo o seu cartão. Não tem motivo pra todo esse estresse inicial. Provavelmente eu vá apenas te escrever um e-mail ou te ligar. E você pode simplesmente me ignorar, se quiser.
- Sei.
- E afinal, que mal tem em sairmos pra tomar uma cerveja? É tudo que eu preciso.
- Realmente, não tenho problemas em tomar uma cerveja. Mas você não tem cara de que se contenta apenas com uma saída pra beber.
- Mas quem falou em ‘se contentar’? Eu disse que a saída pra beber é tudo que eu preciso; é apenas a minha oportunidade.
- Ahá! Tava na cara... eu já falei que tenho um noivo.
- Assim como falou que não se importa em apenas sair pra beber uma cerveja. Quem sai pra beber cerveja, trai o noivo.
- Esse foi o comentário mais idiota que eu já ouvi.
- Talvez, mas é verdade. Você sai comigo, nós bebemos um pouco e nos divertimos o suficiente pra você me considerar um cara bacana – e acredite, não sou dos piores. Um certo dia, você se enfeza do seu noivo e resolve sair com as amigas pra ficar bêbada e azarar. Acaba me ligando, pois sabe das minhas segundas intenções e de que respeitei o seu ‘relacionamento’. Um exemplo de cara bacana. Daí pra frente, linda, é deixar para o curso normal da natureza.
- Não sou sua ‘linda’. E você é extremamente arrogante... Você realmente acredita que alguma garota caia nesse papinho aí?
- Olhe, não quero que você...
- E quem vai te provar alguma coisa aqui sou eu. Vou te provar como você está completamente enganado. Vou sair pra tomar essa droga de cerveja; e ainda vou me divertir. Só que só vou ligar pra você, ‘lindo’, se você for o último cara do planeta; ou nem assim.
- Justo pra mim.
- Aí, vou querer ver essa sua arrogância depois... (pega o celular na bolsa) me dê um segundo, por favor. Alô! Como é? Porra, já te falei que não vou jantar na casa da sua mãe nem fudendo! Quem tá gritando??? Olha, falo com você à noite! (desliga o celular e guarda na bolsa). Desculpe, onde estávamos.
- Você estava pegando seu cartão pra me passar.
- Foda-se o cartão. Preciso beber algo agora, você me acompanha?
- Quero ver se 'você' consegue me acompanhar.
- Você só sabe falar. Pior que o imbecil do meu noivo. Venha.

25/abril/2007

Se você fosse eu
E eu fosse você,
Seríamos duas pessoas completamente diferentes.

31/janeiro/2007

Embora o apartamento fosse pequeno e não requeresse muito trabalho, Clara perdia boa parte do dia dentro de conduções - seis ao todo. Entretanto, nas últimas semanas, nada lhe era mais gratificante. - Doce vingança - pensava. Abria as janelas logo no começo da manhã, tirava os lençóis da cama e colocava pra lavar junto com as roupas sujas, espanava o pó dos móveis e das paredes, limpava o chão da cozinha e do banheiro, estendia a roupa limpa, aspirava todo o carpete, passava as roupas secas e, por último, prendia um punhado de fios de cabelo que encontrava soltos pelo apartamento com um caule maleável de Jequiriti seco, temperava-o com ricina extraída das sementes do Pinhão-de-Purga e sal grosso, mergulhava-o numa solução de sangue de cabrito dentro de um minúsculo frasco de vidro - o qual escondia com muito cuidado no fundo da gaveta de meias - e esperava o horário em que o proprietário retornasse, sempre com o mesmo discurso:
- Clara, valha-me Deus. Esqueci que já era começo de mês e não passei no banco, acredita? Eu e minha cabeça. Mas, por sorte, tenho uns quarenta reais aqui na carteira comigo. Espero que você me perdoe. Semana que vem eu trago o restante, ok?
Clara concordava sorrindo todas ás vezes - o que intrigava o proprietário - e saía em passos firmes.
Ele nunca trazia o restante.

03/janeiro/2007

Privado desse ardor
Solo, me consolo, seja como for
Até que tudo termine.

Apontes me aquele cuja fraqueza o abstém
De manter longe do sol, no cárcere, algo tão belo
Repreenderei tal atitude tamanha sua ousadia
Pois nada sabes, triste infeliz, que se real e singelo
Meio amor como o seu, por toda vida, me mantém.

04/dezembro/2006

- ...
- Voltei. (distraído) Demorei?
- Até que não. Foi onde?
- Atender a porta. Mas diga, onde estávamos?
- ...
- Querida?
- Atender a porta? Essa hora?
- (distraído) Como? Ah... entendi. Era o entregador. Pedi uma pizza.
- Pizza? Mas achei que você...
- Eu sei amor. Mas já é tarde e a cozinha do hotel fechou. Não tive muita opção.
- Sei.
- Verdade. Bom... e como está o tempo por ai?
- (ácida) Tava bom, até que choveu!
- Sei.
- E aí?
- O que?
- Como tá o tempo aí?
- Tô morrendo de tesão, querida!

(pausa)

- De onde veio isso?
- Porra, faz três dias que não te vejo. To subindo pelas paredes.
- Isso eu entendi. Mas eu quero saber o que é que isso tem a ver com o tempo.
- (irônico) O tempo passa, e eu vou ficando mais excitado. Faz sentido?
- ...
- Olha, foi mal. Não tem nada a ver. Mas é que esse tesão me deixa muito impaciente... e esse papo de sol, chuva, blá blá me tirou do sério.
- Mas foi você quem começou.
- Dane-se isso. O que importa é que eu...
- Não precisa ser rude.
- Não fui rude.
- Se eu estou falando que foi é...
- ... por que ‘eu’ fui. Ok! Desculpa. Tá bom assim?
- (meiga) Melhorando.
- Ótimo. Podemos voltar agora a falar dos meus hormônios?
- Ahhh... dos ‘meus’ hormônios você nunca quer falar.
- Mas é outra história.
- Não vejo diferença alguma. Só não te interessa porque não é com você.
- Não é assim.
- Não, né? E como é?
- (distraído) Como é o que?
- Que?
- Perdi a linha de raciocínio.
- (ironicamente ácida) É a falta de costume, eu entendo.
- Quis dizer o que com isso?
- Que raciocinar, realmente, exige prática.
- Bom, se é assim, vou desligar então. Minha pizza tá esfriando.
- Ficou magoado, foi? Eu estava só brincando.
- Tá bom. Mas, mesmo assim, já que você não vai resolver o meu problema, não vou ficar perdendo o meu tempo.
- Ah, agora, falar comigo é perda te tempo?
- Sabe muito bem o que eu quis dizer..
- Na verdade, não sei não. Mas, vou deixar pra lá. Deve ser a fome... ou o tesão.
- Mas vou resolver isso já, já.
- Da fome você quer dizer, né? Se referia à pizza?
- Isso.
- E o tesão...
- Podíamos fazer uma brincadeirinha ao telefone.
- Não entendi.
- Você podia começar me dizendo o tecido e a cor da calcinha que está usando. Depois, contaria em detalhes, enquanto fosse se despindo, as partes do seu corpo que seus dedos percorreriam – molhados de saliva...
- Você está drogado.
- Estou excitado, já disse. Adivinhe o que estou fazendo com a minha mão agora.
- Espero que segurando o telefone.
- Deixe de ser tão puritana... Fale pra mim que você não está escorrendo de excitação??
- Não tô. E você está me assustando... que barulho é esse? O que você está fazendo?
- (respirando fortemente) ...
- Estou falando contigo.
- (falando com dificuldades) Passe a mão nos seus seios e me diga como eles...
- Que ‘passe a mão’ porra nenhuma. Pare já com isso. Sua pizza está esfriando, esqueceu?
- Você sabe que odeio pizza.
- Exatamente. Foi o que eu disse antes. Mas porque a comprou então?
- (confuso) Ah... é. Comprei porque estava com vontade.
- Não era por que estava sem opção?
- Isso. Sem opção.
- Hmm...
- Viu o que você fez? Tirou todo meu tesão.
- Sei.
- Vou desligar então. Falamos quando eu voltar. (desligando)
- Tá bom. Beijo.

(pausa)

- O banho estava uma delícia, obrigado. Adorei aqueles jatos de massagem. E usei o xampu do seu marido
- Que bom. Agora deita nessa cama e me coma logo. Tô morrendo de tesão.
- Uau, o que deu em você?
- Nada. Apenas me empolguei sozinha enquanto você não vinha. E vamos logo, pois estou morrendo de fome.
- Você está sempre com fome.
- Verdade. Mas hoje, tenho um desejo especial; faz tempo que não como pizza. Mas deixe isso pra depois. Tire essa toalha pois quero te chupar gostoso...

30/novembro/2006

“- Minha vida está perdida. Já nem sei pra onde eu devo caminhar. E o meu tempo, eu sei é pouco. É preciso amor lhe encontrar.”

Todos dos dias, Aninha chegava cinco minutos atrasada; e estava pouco se fudendo. Culpava o ônibus lotado, o trânsito infernal da cidade de São Paulo e até mesmo, acreditem, os transeuntes na calçada - que, propositalmente, pareciam se unir em um curioso complô para impedi-la de chegar no horário. Trabalhava na pequena empresa de seguros há cinco anos, e costumava comentar aos novos assistentes, mesmo que esses não perguntassem: - É apenas um emprego temporário. Semana que vem saio dessa merda!.

Sua mesa ficava de frente pra porta de vidro que dava acesso à rua, e passava o dia inteiro fingindo que digitava algo nas planilhas eletrônicas enquanto observava às pessoas que passavam em frente ao prédio. O tédio era imenso, mas tentava combatê-lo cantarolando velhas cantigas do Rei Roberto: “- Vou reagir, não pretendo mudar. Quero viver, nada tenho a perder num lugar.”

Certo dia – e é sempre assim que as coisas se iniciam, em um ‘certo dia’ – percebeu um rapaz jovem bem vestido que passava sorrindo em direção ao Largo. Ele possuía um olhar esclarecido e caminhava como que acima dos outros mortais, deixando a beleza em seu rosto colorir as paredes pichadas dos prédios em volta. “- Parou, olhou. Depois sorrindo se afastou. O meu coração se enamorou. Eu acho que me apaixonei.” – Era amor à primeira vista, pensou a moça.

Na manhã seguinte, para sua surpresa, ele passou novamente. E na seguinte; e durante a semana inteira. Todos os dias, no mesmo horário. Aninha voltou a trabalhar na segunda-feira com um sorriso nada habitual, chegou cedo pela primeira vez e finalizou três planilhas antes mesmo da hora do almoço. Obviamente, tais mudanças não passaram desapercebidas pelo seu chefe que, ao perguntar-lhe sobre o ocorrido, obteve como resposta: “- Por amor a gente faz. Tudo a gente aceita. Quando está apaixonado. E não há nada de errado.” Confuso, ele saiu para comer e a deixou com seus pensamentos surreais e suas canções que, talvez de algumas, seus pais até se recordassem.

Sua pele parecia mais lisa e macia e, embora inconsciente, Aninha combinava os brincos com um broche na lapela e a cor do batom. Era uma segunda-feira nublada, e ela pôde sentir os ventos mudarem de direção na medida em que o rapaz se aproximava. Sentia calafrios só de observá-lo andando, despojado entre a multidão, e assoviando para o mundo. E daquela vez, contra todas as previsões e a favor dos sonhos mais íntimos, ele alterou a direção de seu olhar – que foi prontamente seguida pelo seu corpo e pés – e pôs-se em direção da porta de vidro.

Aninha começou a suar frio, enquanto o sangue no seu corpo tinha problemas em decidir se parava de circular ou se fluía com maior intensidade. As letras das músicas do Rei se embaralhavam na sua mente e a impediam de construir qualquer raciocínio lógico. Ele chegou até a porta, a abriu, e o tempo parou! Por oito segundos – que mais pareceram meia eternidade – Aninha pensou em todos os diálogos possíveis, em resposta à primeira frase do rapaz. Seus olhos umedeceram e criaram uma camada viscosa que atraia, como um buraco negro espacial, toda a luz do ambiente. As unhas bem tratadas, pintadas de vermelho-escuro, arranhavam o pequeno bloco de papéis sobre a mesa, em uma tentativa frustrada de manter o controle. Sua vida inteira passou como um filme russo, em imagens desconexas por sua mente e pensou, naquele momento, que viveria para sempre. Para sempre, ao lado dele.

O rapaz se inclinou levemente em sua direção e, antes mesmo de abrir a boca e movimentar seus lábios ressecados para compor qualquer palavra, um delicioso perfume de menta precedia seu hálito. Suas mãos deslizavam lentamente de dentro dos bolsos do terno escuro enquanto se apoiava sobre a mesa de Aninha, olhos focados nos dela, decidido. Ela se escorria pela cadeira. Pensou em filhos, casa na praia, noites estreladas dentro de uma cabana nas montanhas. O nono segundo se iniciou, e ele levantou uma única sobrancelha como gatilho de sua vontade e rugiu, feito um leão em liberdade: - Por que é que você não engole essa porra de sorriso e vai logo enchendo essa minha sacola com grana, bolsas, relógio e o que mais você encontrar aí pelos cantos? Tem que ser rápido... porque eu sei exatamente quanto tempo seu chefe leva pra almoçar; e é pouco! Acorda, maluca... e você ainda tá me olhando porquê?

22/novembro/2006

(Publicado originalmente no blog 'Engrenagem' no mês de setembro/06 sob o tema 'Caminho'.)

Embora empregasse uma força sobre-humana para não demonstrar a dor que sentia, seus olhos o traiam produzindo cascatas de lágrimas, em uma tentativa frustrada em diluir o mar de sangue que escorria por dentre o grosso piso de palha. No que o corpo pendia para o lado, concentrava a pouca força remanescente nas mãos machucadas, firmemente agarradas ao cabo da espada curta.

Procurava esvaziar a mente com o emprego de técnicas de meditação, mas uma música antiga tocada em harpa, pela sua avó quando ainda viva, ecoava longe em um tom constante. A neve espessa cobria as cerejeiras e os jardins suspensos de pedra, e sua brancura desgastada combinava com o arranjo de madeira negra que decorava a sala.

Sentia a lâmina fria transpor o quimono em seu dorso, enquanto uma pequena corrente de ar percorreria toda sua extensão e lhe ressecava as pontas dos dedos. Hiroshi inflou com dificuldade ambos os pulmões e, assim como seu pai antes dele, a conduziu com destreza milenar ao outro lado do abdômen, rasgando-o por completo e expondo, aos presentes à cerimônia, sua vida em detalhes; pura.

Dentes lascados rasgaram com ódio o lábio inferior, que sangrava para dentro da boca; porém, mantendo-a selada. Hiroshi não emitira som algum. Seu primo, posicionado logo atrás com a enorme espada sobre a cabeça, sentiu-se orgulhoso.

Enquanto tombava para frente, incapaz de manter retesados os músculos da coluna, Hiroshi observou sua esposa no fundo da sala – imóvel – e sorriu. A honra da família Saito havia sido preservada e seus membros poderiam, novamente, caminhar pelas ruas da pequena vila com a cabeça erguida; livres de falsas acusações.

Era fim do inverno no vale sob a montanha e o funeral chamou atenção, até mesmo, do senhor das terras. Sua esposa vestia seda pela última vez. Na primavera seguinte, o Shogunato se desfazia.


(Bushidô, que em japonês significa "o caminho do guerreiro", era um código de honra não-escrito e um modo de vida para os samurais (bushi), que fornecia parâmetros para esse guerreiro viver e morrer com honra.)

15/Setembro/06

... ter conhecimento da esperança que mantinha em que o amor que eu sinto por você fosse equivalente ao que nutriu por mim um dia; enquanto, no decorrer de todo esse longo período, eu tenha alimentando o fato desses sentimentos serem, tão somente, complementos necessários de um ao outro.

04/Outubro/2006