Embora o apartamento fosse pequeno e não requeresse muito trabalho, Clara perdia boa parte do dia dentro de conduções - seis ao todo. Entretanto, nas últimas semanas, nada lhe era mais gratificante. - Doce vingança - pensava. Abria as janelas logo no começo da manhã, tirava os lençóis da cama e colocava pra lavar junto com as roupas sujas, espanava o pó dos móveis e das paredes, limpava o chão da cozinha e do banheiro, estendia a roupa limpa, aspirava todo o carpete, passava as roupas secas e, por último, prendia um punhado de fios de cabelo que encontrava soltos pelo apartamento com um caule maleável de Jequiriti seco, temperava-o com ricina extraída das sementes do Pinhão-de-Purga e sal grosso, mergulhava-o numa solução de sangue de cabrito dentro de um minúsculo frasco de vidro - o qual escondia com muito cuidado no fundo da gaveta de meias - e esperava o horário em que o proprietário retornasse, sempre com o mesmo discurso:
- Clara, valha-me Deus. Esqueci que já era começo de mês e não passei no banco, acredita? Eu e minha cabeça. Mas, por sorte, tenho uns quarenta reais aqui na carteira comigo. Espero que você me perdoe. Semana que vem eu trago o restante, ok?
Clara concordava sorrindo todas ás vezes - o que intrigava o proprietário - e saía em passos firmes.
Ele nunca trazia o restante.
- Clara, valha-me Deus. Esqueci que já era começo de mês e não passei no banco, acredita? Eu e minha cabeça. Mas, por sorte, tenho uns quarenta reais aqui na carteira comigo. Espero que você me perdoe. Semana que vem eu trago o restante, ok?
Clara concordava sorrindo todas ás vezes - o que intrigava o proprietário - e saía em passos firmes.
Ele nunca trazia o restante.
03/janeiro/2007
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