A forte chuva que castigara a cidade durante toda a madrugada trazia uma sensação melancólica de frescor à última manhã de primavera. O sol tímido nascia desprotegido das nuvens e refletia raios trêmulos sobre sua face pálida e adormecida. Olhos pequenos, perfeitamente delineados em um rosto pobre de expressões, ensaiavam aberturas sem ritmo, quando o cheiro adocicado do enxofre a despertou completamente.
- Puta que o pariu? Como algo assim pôde dar errado? - Ela pensou.
Sem conseguir movimentar as pernas ou braços, estranhou a incapacidade em sentir a maciez do velho tapete de pêlo de urso sob seu corpo; legítimo. A cabeça perambulava ao redor enquanto os olhos, ainda desacostumados à claridade, focalizaram o revólver caído a poucos centímetros de seus pés. Sentia o gosto de sangue e de pólvora na boca e sabia que havia, realmente, criado coragem. Possivelmente, e em um lance de azar, a bala teria se alojado na medula e refletia sobre a ironia do uso da palavra "azar" nessa sentença quando avistou o telefone sobre o balcão, distante uma vida inteira. Sobre o esse piscava uma pequena luz vermelha a qual a utilidade ela desconhecia. Mesmo que o alcançasse, para quem ligaria? Não tinha amigos, desconhecia a família e foi incapaz de manter vivo um simples peixe dourado. Por esse motivo resolveu se privar da vida; de forma rápida e decidida. Mas falhou e morreria ali, sozinha, definhando lentamente enquanto o corpo se auto-consumia; imaginando se a luz que piscava sobre o aparelho pudesse ser, mesmo que por engano, um registro de recado de alguém.
- Puta que o pariu? Como algo assim pôde dar errado? - Ela pensou.
Sem conseguir movimentar as pernas ou braços, estranhou a incapacidade em sentir a maciez do velho tapete de pêlo de urso sob seu corpo; legítimo. A cabeça perambulava ao redor enquanto os olhos, ainda desacostumados à claridade, focalizaram o revólver caído a poucos centímetros de seus pés. Sentia o gosto de sangue e de pólvora na boca e sabia que havia, realmente, criado coragem. Possivelmente, e em um lance de azar, a bala teria se alojado na medula e refletia sobre a ironia do uso da palavra "azar" nessa sentença quando avistou o telefone sobre o balcão, distante uma vida inteira. Sobre o esse piscava uma pequena luz vermelha a qual a utilidade ela desconhecia. Mesmo que o alcançasse, para quem ligaria? Não tinha amigos, desconhecia a família e foi incapaz de manter vivo um simples peixe dourado. Por esse motivo resolveu se privar da vida; de forma rápida e decidida. Mas falhou e morreria ali, sozinha, definhando lentamente enquanto o corpo se auto-consumia; imaginando se a luz que piscava sobre o aparelho pudesse ser, mesmo que por engano, um registro de recado de alguém.
10/abril/2006
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