A real impressão que tenho é de que tudo passou tão rápido. Lembro como se fosse ontem do Atari que ganhei quando moleque. Eu era uma peste naquela época e tive que ouvir um discurso de 40 minutos sobre o porque do meu pai ter finalmente decidido me presentear com um videogame. Está fresco na memória o meu primeiro beijo, roubado, em uma adolescência pacata e tímida. Sinto o cheiro do sabão que usei pra lavar o carro que comprei, parcelado, durante a dura época de faculdade.
Tudo é tão nítido e está tão fresco na minha memória até os meus 21 anos. Depois disso, não me lembro de mais nada. E é tudo tão estranho. Talvez as lembranças estejam relacionadas com os sonhos, porque foi nessa época em que parei de sonhar. Dormia muito, mas não sonhava nada. Oito, dez, doze horas de sono e nenhuma imagem em lembrança. Já cheguei a dormir 22 horas seguidas; me lembro bem pois perdi o eclipse lunar que eu tinha me programado tanto pra ver. Horas e dias perdidos em um sono profundo. E pior, eu acordava sempre cansado. Extremamente esgotado. Como se passasse as noites inteiras disputando olimpíadas. Os músculos chegavam a doer. Passei pela faculdade com dificuldades, imaginando estar sempre doente. Lembrei do colega Bruno do colegial que, por causa de uma doença na tireóide, vivia cansado e indisposto. Todos os três médicos que consultei me retornaram avaliações físicas e biológicas perfeitas. Invejáveis. Os anos voavam e eu não melhorava nada. Comecei a ficar apático, melancólico, ranzinza e mal humorado. O trabalho me estafava e o mundo ao meu redor parecia, a cada dia, se afundar mais em desgraças. Tinha a impressão de que as guerras eclodiam mais facilmente, que a fome aumentava, que a natureza desaparecia, que a sociedade se degenerava... impressão de que o fim estava próximo; até o dia em que conheci a Angélica.
Ela era linda, com suas pernas gigantes que pareciam compor toda sua perfeita silhueta e incríveis olhos azuis de terror; que acalmavam minha alma e faziam o mundo congelar estático. Estava linda em seu vestido de noiva - comprido - quase mesclada ao tecido branco que refletia o dourado de seus cachos. Sua voz entoava liricamente as palavras de amor e afeto dirigidas a mim. Casamos num sábado, três meses após nos conhecermos - únicos sobreviventes de um trágico acidente de navio. No dia seguinte, domingo, descansamos.
Hoje, todas as respostas parecem surgir em minha cabeça como que se estivessem o tempo todo disponíveis; mas escondidas na impossibilidade do sonhar. Hoje, oito meses e oito dias após nossa lua de mel, minha alma-gêmea, morta, deu a luz nosso único filho. Concebeu, em um último suspiro, àquilo que já é metade iluminado. De pele rosada, choro estridente e enormes penas que lhe protegem as costas e a frágil cabeça - ornada com duas pequenas protuberâncias em forma de chifres - anunciava o que todos os médicos e enfermeiras já sabiam enquanto corriam desesperados pelo hospital, implorando por suas vidas - o final dos tempos finalmente chegou!
Tudo é tão nítido e está tão fresco na minha memória até os meus 21 anos. Depois disso, não me lembro de mais nada. E é tudo tão estranho. Talvez as lembranças estejam relacionadas com os sonhos, porque foi nessa época em que parei de sonhar. Dormia muito, mas não sonhava nada. Oito, dez, doze horas de sono e nenhuma imagem em lembrança. Já cheguei a dormir 22 horas seguidas; me lembro bem pois perdi o eclipse lunar que eu tinha me programado tanto pra ver. Horas e dias perdidos em um sono profundo. E pior, eu acordava sempre cansado. Extremamente esgotado. Como se passasse as noites inteiras disputando olimpíadas. Os músculos chegavam a doer. Passei pela faculdade com dificuldades, imaginando estar sempre doente. Lembrei do colega Bruno do colegial que, por causa de uma doença na tireóide, vivia cansado e indisposto. Todos os três médicos que consultei me retornaram avaliações físicas e biológicas perfeitas. Invejáveis. Os anos voavam e eu não melhorava nada. Comecei a ficar apático, melancólico, ranzinza e mal humorado. O trabalho me estafava e o mundo ao meu redor parecia, a cada dia, se afundar mais em desgraças. Tinha a impressão de que as guerras eclodiam mais facilmente, que a fome aumentava, que a natureza desaparecia, que a sociedade se degenerava... impressão de que o fim estava próximo; até o dia em que conheci a Angélica.
Ela era linda, com suas pernas gigantes que pareciam compor toda sua perfeita silhueta e incríveis olhos azuis de terror; que acalmavam minha alma e faziam o mundo congelar estático. Estava linda em seu vestido de noiva - comprido - quase mesclada ao tecido branco que refletia o dourado de seus cachos. Sua voz entoava liricamente as palavras de amor e afeto dirigidas a mim. Casamos num sábado, três meses após nos conhecermos - únicos sobreviventes de um trágico acidente de navio. No dia seguinte, domingo, descansamos.
Hoje, todas as respostas parecem surgir em minha cabeça como que se estivessem o tempo todo disponíveis; mas escondidas na impossibilidade do sonhar. Hoje, oito meses e oito dias após nossa lua de mel, minha alma-gêmea, morta, deu a luz nosso único filho. Concebeu, em um último suspiro, àquilo que já é metade iluminado. De pele rosada, choro estridente e enormes penas que lhe protegem as costas e a frágil cabeça - ornada com duas pequenas protuberâncias em forma de chifres - anunciava o que todos os médicos e enfermeiras já sabiam enquanto corriam desesperados pelo hospital, implorando por suas vidas - o final dos tempos finalmente chegou!
31/agosto/2005
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