- Esteja preparado, pois eu o estou desafiando!
E foi assim que tudo começou, em uma tarde de domingo ensolarada. Lembro que ventava pouco e algumas crianças se divertiam em brinquedos enferrujados na praça logo atravessando a rua. Mas não estava quente.
- Como é? - foi tudo que consegui dizer naquele momento. Embora surpreso, minha cabeça ainda estava concentrada no sanduíche de bacon, alface e tomate que eu preparava na cozinha.
- Um desafio, oras! Ou você achava que isso não aconteceria? - Era um magricelo com ar de folgado, mas nada assustador. Eu poderia com ele a qualquer momento. Imaginei que um 'jab' em seu queixo fino de porcelana daria conta do recado; tiraria aquele sorriso torto de garanhão de quermesse de seus lábios... ou pelo menos o entortaria pro outro lado!
- Ainda não entendi! Desafia como? - Juro que me surpreendi com tamanha desenvoltura e brilhantismo na articulação das minhas idéias. Seria melhor ter partido com o 'jab' mesmo. Ou um 'upper-cut'; como se eu entendesse tanto de boxe assim.
- Mas eu tenho esse direito. - Respondeu o 'cabeça de fogo'. Bolei esse apelido bem rápido, pra falar a verdade. No momento em que abri a porta e o vi parado lá, lembrei de um colega de ginásio que vivia me atormentando. Ele era ruivo também, mas com menos pintas no rosto e um pouquinho mais bronzeado, se consigo me fazer entender.
- Como assim 'tem o direito'?
- Está no regulamento, oras! Parágrafo 3o., letra 'a', 'b' e 'f'.
- Existe um regulamento?
- Que tipo de pergunta é essa? É claro que existe um regulamento! Assim você me insulta.
- Olha, me desculpe, meu avô nunca...
- Não se desculpe! Se acha que ficarei com pena de você, está muito enganado. Meu conselho é que se prepare!
Nada mais fazia sentido e até hoje fico pensando se, realmente, deveria. Lembro nitidamente da sensação de desapontamento que me percorreu o corpo; imaginando o bacon esfriando sobre a maionese. Nunca gostei muito de domingos, mas esse estava ganhado disparado como o mais nostálgico.
- Está no regulamento, você diz?
As crianças é que eram felizes. Dependuradas em verdadeiras armadilhas de ferro, pulando de um lado a outro... mesmo sob um sol fraco de primavera.
Acho que dei um suspiro. Esse detalhe ainda me foge a lembrança; mas outros são tão presentes como dor de dente. Baixei a cabeça, dei um passo pro lado e deixei o 'cabecinha de fogo' entrar; ele tinha mesmo uma cabeça desproporcional ao corpo. Tinha mesmo.
Eram 2:00 da tarde. Jogamos até as 6:00, quando minha mãe chegou e reclamou da bagunça na sala. Foi até bom, pois eu estava prestes a perder o segundo sub-campeonato com um time do Flamengo de 1986, carvado em imitação de marfim e pintado a mão. Herança do meu avô, junto com o tabuleiro e, acreditem, um livro intitulado 'Regulamento Oficial de Futebol de Botão Paulista – 2a. Edição' que só prestei atenção hoje, quando procurava umas bolinhas de lã argentina que tinha certeza estavam perdidas na mesma caixa.
E foi assim que tudo começou, em uma tarde de domingo ensolarada. Lembro que ventava pouco e algumas crianças se divertiam em brinquedos enferrujados na praça logo atravessando a rua. Mas não estava quente.
- Como é? - foi tudo que consegui dizer naquele momento. Embora surpreso, minha cabeça ainda estava concentrada no sanduíche de bacon, alface e tomate que eu preparava na cozinha.
- Um desafio, oras! Ou você achava que isso não aconteceria? - Era um magricelo com ar de folgado, mas nada assustador. Eu poderia com ele a qualquer momento. Imaginei que um 'jab' em seu queixo fino de porcelana daria conta do recado; tiraria aquele sorriso torto de garanhão de quermesse de seus lábios... ou pelo menos o entortaria pro outro lado!
- Ainda não entendi! Desafia como? - Juro que me surpreendi com tamanha desenvoltura e brilhantismo na articulação das minhas idéias. Seria melhor ter partido com o 'jab' mesmo. Ou um 'upper-cut'; como se eu entendesse tanto de boxe assim.
- Mas eu tenho esse direito. - Respondeu o 'cabeça de fogo'. Bolei esse apelido bem rápido, pra falar a verdade. No momento em que abri a porta e o vi parado lá, lembrei de um colega de ginásio que vivia me atormentando. Ele era ruivo também, mas com menos pintas no rosto e um pouquinho mais bronzeado, se consigo me fazer entender.
- Como assim 'tem o direito'?
- Está no regulamento, oras! Parágrafo 3o., letra 'a', 'b' e 'f'.
- Existe um regulamento?
- Que tipo de pergunta é essa? É claro que existe um regulamento! Assim você me insulta.
- Olha, me desculpe, meu avô nunca...
- Não se desculpe! Se acha que ficarei com pena de você, está muito enganado. Meu conselho é que se prepare!
Nada mais fazia sentido e até hoje fico pensando se, realmente, deveria. Lembro nitidamente da sensação de desapontamento que me percorreu o corpo; imaginando o bacon esfriando sobre a maionese. Nunca gostei muito de domingos, mas esse estava ganhado disparado como o mais nostálgico.
- Está no regulamento, você diz?
As crianças é que eram felizes. Dependuradas em verdadeiras armadilhas de ferro, pulando de um lado a outro... mesmo sob um sol fraco de primavera.
Acho que dei um suspiro. Esse detalhe ainda me foge a lembrança; mas outros são tão presentes como dor de dente. Baixei a cabeça, dei um passo pro lado e deixei o 'cabecinha de fogo' entrar; ele tinha mesmo uma cabeça desproporcional ao corpo. Tinha mesmo.
Eram 2:00 da tarde. Jogamos até as 6:00, quando minha mãe chegou e reclamou da bagunça na sala. Foi até bom, pois eu estava prestes a perder o segundo sub-campeonato com um time do Flamengo de 1986, carvado em imitação de marfim e pintado a mão. Herança do meu avô, junto com o tabuleiro e, acreditem, um livro intitulado 'Regulamento Oficial de Futebol de Botão Paulista – 2a. Edição' que só prestei atenção hoje, quando procurava umas bolinhas de lã argentina que tinha certeza estavam perdidas na mesma caixa.
02/maio/2005
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